domingo, 1 de dezembro de 2024

REDUZIR SAL NA DIETA: POUCOS BENEFÍCIOS E RISCOS ELEVADOS


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Poucas coisas na vida são tão certas quanto o envelhecimento, a inevitabilidade da morte e a crença de que reduzir o sódio na dieta é indispensável para saúde. No entanto, essa percepção está sendo fortemente questionada por diversos artigos científicos e atualizações das diretrizes médicas. Exemplo disso, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos), que oferece uma visão renovada sobre os reais efeitos de limitar o consumo de sal. De acordo com o centro, as antigas diretrizes estariam erradas, e não há um benefício claro sobre a restrição de sal na alimentação:


https://www.medicaldaily.com/cdc-salt-intake-guidelines


Segundo Melinda Wenner:

 "O medo do sal surgiu há mais de um século. Em 1904 médicos franceses relataram que 6 de seus pacientes hipertensos – um risco conhecido para doença cardíaca – gostavam de sal. O receio aumentou muito na década de 1970, quando Lewis Dahl do Laboratório Nacional de Brookhaven alegou possuir “evidências científicas inequívocas” de que o sal causava hipertensão: ele induziu pressão alta em ratos alimentando-os com o que equivaleria a MEIO QUILO de sódio por dia para um humano (hoje, um americano médio consome cerca de 3,4g de sódio, ou 8,5g de sal, por dia)."

Como podemos observar, a crença de que o sal provoca ou agrava problemas cardíacos teve origem em evidências de baixa qualidade, baseadas em estudos realizados em animais e posteriormente extrapolados de forma inadequada para seres humanos. Várias associações foram feitas após esse estudo, concluindo que países com alto consumo de sódio apresentavam maiores índices de problemas cardíacos. A questão é que essa associação, não leva em consideração diversos fatores (tabagismo, exercícios, genética) em consideração, falhando muito, inclusive, quando se comparavam consumo de sal com pessoas do mesmo país, dando  entender que há fatores culturais relevantes no aparecimento de problemas do coração, que vão além do sal. 

Mas, você pode estar se perguntando sobre os casos de pessoas que comem mais sal e a pressão sobe imediatamente. De acordo Melinda Wenner:

"Um estudo de 1987 frequentemente citado e publicado no  Journal of Chronic Diseases  relatou que o número de pessoas que experimentam quedas na pressão arterial após comer dietas ricas em sal quase se iguala ao número que experimenta picos de pressão arterial; muitos permanecem exatamente os mesmos. Isso ocorre porque "o rim humano é feito, por design, para variar o acúmulo de sal com base na quantidade que você ingere", explica Michael Alderman, epidemiologista do Albert Einstein College of Medicine e ex-presidente da International Society of Hypertension." 

"Intersalt, um grande estudo publicado em 1988, comparou a ingestão de sódio com a pressão arterial em indivíduos de 52 centros de pesquisa internacionais e não encontrou nenhuma relação entre a ingestão de sódio e a prevalência de hipertensão. Na verdade, a população que comia mais sal, cerca de 14 gramas por dia, tinha uma pressão arterial média menor do que a população que comia menos, cerca de 7,2 gramas por dia. Em 2004, a Cochrane Collaboration, uma organização internacional, independente e sem fins lucrativos de pesquisa em saúde financiada em parte pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, publicou uma revisão de 11 ensaios de redução de sal. A longo prazo, dietas com baixo teor de sal, em comparação com dietas normais, diminuíram a pressão arterial sistólica (o número superior na razão da pressão arterial) em pessoas saudáveis ​​em 1,1 milímetros de mercúrio (mmHg) e a pressão arterial diastólica (o número inferior) em 0,6 mmHg. Isso é como ir de 120/80 para 119/79. A revisão concluiu que "intervenções intensivas, inadequadas para programas de cuidados primários ou prevenção populacional, fornecem apenas reduções mínimas na pressão arterial durante ensaios de longo prazo". Uma revisão Cochrane de 2003 de 57 ensaios de curto prazo concluiu similarmente que "há pouca evidência de benefício de longo prazo na redução da ingestão de sal".

Contudo, devido à complexidade da resposta ao sal, há resultados divergentes em diversas pesquisas e, para cada estudo que afirma que o sal é o problema, há outro que sustenta o ponto de vista contrário. Dessa forma, a linha de raciocínio que tenta afirmar que o sal é o verdadeiro vilão é tênue e controversa. Logo, não há sentido algum, que governos recomendem fortemente, a redução de sódio para toda a população, inclusive em pessoas saudáveis. Ainda que a redução do consumo de sal possa promover uma diminuição limitada da pressão arterial, tal efeito não implica, necessariamente, em benefícios substanciais. Apresentar essa prática como uma solução universal para múltiplas questões de saúde pública constitui mera conjectura, visto que a redução do sal na dieta pode desencadear efeitos colaterais significativos. Entre eles, destaca-se o aumento da pressão arterial em decorrência da resposta compensatória do organismo, que eleva os níveis de renina e aldosterona — uma enzima e um hormônio, respectivamente —, ambos envolvidos na regulação da pressão arterial.

Um estudo de 2008  que o comitê examinou, por exemplo, atribuiu aleatoriamente 232 pacientes italianos com insuficiência cardíaca congestiva moderada a grave tratada agressivamente para consumir 2.760 ou 1.840 miligramas de sódio por dia, mas, de resto, consumir a mesma dieta. Aqueles que consumiram o nível mais baixo de sódio tiveram mais de três vezes o número de readmissões hospitalares — 30 em comparação com 9 no grupo com mais sal — e mais do que o dobro de mortes — 15 em comparação com 6 no grupo com mais sal.

Outro estudo , publicado em 2011, acompanhou 28.800 indivíduos com pressão alta com 55 anos ou mais por 4,7 anos e analisou seu consumo de sódio por meio de urinálise. Os pesquisadores relataram que os riscos de ataques cardíacos, derrames, insuficiência cardíaca congestiva e morte por doença cardíaca aumentaram significativamente para aqueles que consumiam mais de 7.000 miligramas de sódio por dia e para aqueles que consumiam menos de 3.000 miligramas de sódio por dia.

Há consequências fisiológicas de consumir pouco sódio, disse o Dr. Michael H. Alderman, um especialista em sódio dietético no Albert Einstein College of Medicine que não era membro do comitê. À medida que os níveis de sódio caem, os níveis de triglicerídeos aumentam, a resistência à insulina aumenta e a atividade do sistema nervoso simpático aumenta. Cada um desses fatores pode aumentar o risco de doença cardíaca. 

Uma meta-análise em 2011 de sete estudos envolvendo um total de 6.250 indivíduos no American Journal of Hypertension não encontrou nenhuma evidência forte de que cortar a ingestão de sal reduz o risco de ataques cardíacos, derrames ou morte em pessoas com pressão arterial normal ou alta.

Evidentemente, nosso blog não pretende insinuar que o consumo excessivo de sal seja saudável ou benéfico. Tudo na vida requer equilíbrio, e com o sal não é diferente. Fica, então, a sugestão de não transformar o sal em um vilão absoluto, permitindo que nossos leitores desfrutem de refeições mais saborosas. Afinal, convenhamos, uma pitada de sal pode ser a diferença entre um prato delicioso e algo que mais se assemelha a papelão temperado com tristeza.

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"O sal é o mais simples dos temperos, mas sua falta é o mais cruel dos castigos à comida."











Nova Pesquisa Reacende Debate Sobre Cloroquina no Combate à COVID-19

Enquanto navegava pela internet, meio sem rumo, me deparei com algo que realmente me chamou a atenção. Entre tantas notícias e informações, encontrei algumas matérias – poucas, devo dizer – sobre a conclusão de um estudo iniciado há quatro anos atrás, falando sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina na prevenção contra a COVID-19. Confesso que fiquei intrigado, afinal, esses medicamentos foram alvos de um debate acalorado durante a pandemia. Resolvi abrir o estudo para conferir os detalhes e, para minha surpresa, o resultado recente traz evidências surpreendentes. Claro, não poderia deixar de compartilhar isso aqui no blog, afinal, até eu mesmo achava que essas drogas não tinham evidência alguma para prevenir a covid. Então, irei citar aqui, o texto de uma excelente matéria do jornal nexo, e resumi-la para meus leitores:


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Ninguém mais esperava que isso fosse acontecer em pleno 2024. Mas no dia 12 de setembro foi publicado o maior estudo já realizado sobre profilaxia farmacológica de covid-19. Capitaneado pelo Centro de Medicina Tropical e Saúde Global da Universidade de Oxford, o COPCOV reuniu mais de 70 autores e 26 centros médicos em 11 países e três continentes para testar o efeito da hidroxicloroquina e da cloroquina – sim, elas mesmas – na prevenção da doença em indivíduos não vacinados em risco de contágio.

Iniciado em abril de 2020 e conduzido aos trancos e barrancos em meio a um campo minado de polêmicas até março de 2022, o estudo, randomizado e duplo-cego, reuniu 4.652 participantes não vacinados – número bem inferior ao inicialmente planejado – antes de ser encerrado. Ainda assim, só foi publicado na revista PLoS Medicine mais de dois anos mais tarde, depois de um ano inteiro enfrentando o processo de revisão por pares.
Os resultados? O grupo tratado com hidroxicloroquina (na Europa e na África) ou cloroquina (na Ásia) teve uma prevalência 15% menor de infecções confirmadas do que o grupo tratado com placebo após três meses de seguimento – um resultado que bateu na trave dos limiares costumeiramente usados de significância estatística. Entre os desfechos secundários, a profilaxia esteve associada com diminuições mais robustas de 39% em infecções confirmadas por PCR e de 13% nos dias de trabalho perdidos por doença, mas não na prevalência de infecções assintomáticas ou na severidade de sintomas. Tampouco levou a um aumento de efeitos adversos graves, cuja incidência foi inclusive maior no grupo placebo.

Ainda que os resultados sejam modestos, eles são bastante compatíveis com a evidência agregada dos estudos anteriores – que como já indicava uma metanálise publicada em 2022 e analisada por essa coluna na época – apontavam para um benefício dessa magnitude. Uma análise atualizada incluindo o COPCOV feita pelos próprios autores do trabalho estima uma redução de 20% na chance de infecções com a profilaxia, com uma concordância notável entre os estudos incluídos e um intervalo de confiança de 95% do efeito – a popular “margem de erro” das pesquisas eleitorais.

 

https://ichef.bbci.co.uk/news/1024/branded_portuguese/79e1/live/9240c870-ab2a-11ef-a4fe-a3e9a6c5d640.jpg


Para concluir este texto, deixo minha reflexão sobre o tema. Infelizmente, as questões políticas durante a pandemia acabaram por interferir negativamente nas pesquisas sobre diversos fármacos que poderiam ter representado uma pequena luz ao final do sombrio túnel que foi o surto de contágio do vírus SARS-CoV-2. O que fica claro no estudo, é que seria melhor usar esse medicamento como quimioproteção, e nao como um tratamento em si, já com a doença em curso. Porém,  antes que pessoas utilizem tanto o estudo como esse texto pra dizer que político A ou B estava com a razão, os próprios autores, apesar de afirmarem que o uso das drogas poderiam ter reduzido as infecções, tambem admitem que, hoje, devido ao uso das vacinas, já não se faz mais sentido em realizar a quimioproteção com essas drogas (ou seja vacinas contra a covid são efetivas) e que a evidencia, apesar de moderada, precisaria, ainda, ser mais aprofundada, como afirma o trecho abaixo:



Trecho traduzido do Estudo COPCOV





terça-feira, 26 de novembro de 2024

50 Cent e a Falácia da Depressão Como Luxo

Recentemente, um vídeo contendo uma declaração do cantor 50 Cent acerca da depressão voltou a ganhar ampla repercussão nas redes sociais. A fala, marcada por extrema infelicidade, foi feita em 2023 durante sua participação em um podcast:



50 Cent (Getty Images)

"Eu acho que a depressão é um luxo. Porque de onde eu venho, você não pode se dar ao luxo de estar deprimido. Você tem que pagar as contas, certo? Então você tem que trabalhar. Você tem que se levantar. Tem que fazer o que precisa ser feito."

Essa fala cheia de preconceitos e ignorância sobre a realidade das pessoas com o transtorno não reflete somente a visão do cantor sobre o assunto, mas, também, de boa parte da sociedade. A palavra "luxúria", utilizada por ele, pode ser facilmente substituída por "frescura" no contexto brasileiro, onde muitas pessoas ainda consideram a depressão como algo trivial ou fruto de capricho. Quem não conhece alguém que já falou algo semelhante? Ou mesmo casos em que a gravidade da doença foi ignorada devido a essa crença equivocada resultando em tragédias como o suicídio? E, comumente, o arrependimento póstumo de quem criticou, todavia, tarde demais, já que a morte é algo irreversível. Contudo, nem todos demonstram remorso; é comum encontrar pessoas que não sentem qualquer empatia por quem sofre de depressão, e até desprezam aqueles que chegam ao extremo de tirar a própria vida. Essas críticas insensíveis e mal fundamentadas são tão absurdas quanto a declaração de 50 Cent.




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Imagine uma situação,  que passa longe de ser hipotética, pois há casos registrados, onde uma criança sofre agressões constantes, estupros, é pobre, acaba sofrendo bullying por conta de sua situação, se isola em uma depressão profunda e acaba por tirar sua própria vida. É essa a realidade englobada na fala do cantor e de muitas outras pessoas. Essa é a frescura, ou luxo que muita gente se dá, usando a lógica distorcida dos mesmos.

O Rapper, também argumenta que, em sua comunidade de origem, as pessoas são pobres e não têm "tempo" para a depressão, pois precisam sobreviver. No entanto, essa visão simplista desconsidera que a depressão não é uma condição que incapacita todas as pessoas de suas atividades diárias. Existem diferentes níveis de gravidade na doença. Nem todos que sofrem com depressão são suicidas ou incapazes de trabalhar. Muitos, mesmo em condições de pobreza, convivem com a doença sem diagnóstico, tratamento ou apoio, muitas vezes ao longo de toda a vida.

Quando vemos listas de países com altos índice de suicídios, os países mais pobres ocupam, geralmente, a maior parte da lista. Mesmo em nações desenvolvidas, questões econômicas frequentemente lideram entre as causas que levam ao suicídio. E, veja, estamos falando de suicídio, que é um fator associado a uma pequena parcela de pessoas que possuem depressão. Se formos olhar somente a patologia psicológica em si, a situação, é, certamente, muito maior e mais grave. Pobreza e problemas sociais são um dos principais motivos de causa da doença. A alegação do Rapper é refutada no cotidino comum, mas também em estudos e dados estatísticos em todo o mundo. 

Ao invés de enxergar a depressão como algo que alguém "escolhe" ter, precisamos entender que ela é uma condição séria, complexa, multifatorial,  causada por desequilíbrios químicos no cérebro, traumas e outros fatores externos. Conversas responsáveis e baseadas em fatos são essenciais para avançarmos em direção a uma sociedade mais empática e bem informada.


"Até o tolo, quando se cala, é tido por sábio; e o que cerra os lábios é tido por entendido." (Provérbios 17:28)

"Às vezes é melhor ficar calado deixando que os outros pensem que você é um idiota, do que abrir a boca e não deixar nenhuma dúvida."





quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Banana Para Câimbras: Ciência ou Mera Crença Popular?


A banana, celebrada por sua versatilidade e riqueza nutricional, há tempos é reconhecida como um "remédio natural" contra as temidas câimbras musculares. Esse atributo, amplamente difundido no imaginário popular, é sustentado pela crença de que sua generosa concentração de potássio atua como um elixir reparador para os músculos. No entanto, será que essa convicção resiste ao crivo da ciência? É o que proponho a explorar neste texto. 

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Certa vez, conversando, um amigo questionou sobre o que seria eficaz para prevenir câimbras constantes, já que, mesmo ingerindo cinco ou mais bananas por dia, ele não percebia nenhuma melhora significativa. Fiquei surpreso,pois, a solução tão amplamente divulgada não estava funcionando. Essa experiência despertou o interesse de investigar mais a fundo o assunto.

O primeiro ponto a se questionar foi: Quais são as causas das câimbras? Seriam somente exercícios físicos, desidratação e desequilíbrio eletrolítico? A resposta é que não. Há uma multiplicidade de fatores que podem desencadear às câimbras musculares, e nem todos estão relacionados aos elementos que uma banana poderia ajudar a suprir. Por exemplo, já enfrentei problemas dolorosos de câimbras devido a condições completamente diferentes, como alterações na tireóide como também o uso de medicamentos para ansiedade, como a sertralina. Além disso, fatores genéticos desempenham um papel relevante na predisposição às câimbras. Mas, ainda que as causas sejam variadas, poderia-se argumentar que o mecanismo fisiológico das câimbras seria o mesmo, independentemente do fator desencadeante, e que, portanto, a ingestão de bananas poderia preveni-las. O problema é que a ciência ainda não elucidou totalmente o mecanismo de ação, ficando essa lacuna, tanto para se saber exatamente a causa, como para a resolução no tratamento e em sua prevenção.

Mas de onde surgiu o mito da banana? Existem algumas hipóteses:

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Atletas e treinadores frequentemente observam que câimbras tendem a ocorrer após treinos intensos e períodos de sudorese excessiva. A teoria do eletrólito e da desidratação surgiu de um estudo em 1923 (sim, 100 anos atrás) no qual eles observaram cãibras em mineradores de carvão em condições quentes e úmidas. Este estudo moldou a maneira como muitas pessoas vêem as cãibras musculares até hoje. E é aqui que podemos começar a entender o porquê  a banana, fonte de potássio, é tida como uma solução para as contrações involuntárias.

O potássio é o eletrólito que ajuda a manter as células musculares em repouso, impedindo que elas se ativem sem necessidade. Por isso, se acredita que, com a perda de potássio, devido ao calor ou atividades físicas, sudorese em geral, os músculos podem se contrair de forma descontrolada, levando às famosas cãibras. Essa idéia parece fazer sentido: menos potássio significaria mais facilidade para os músculos se ativarem. Mas, como dizia H.L. Mencken : "Para todo problema complexo, sempre haverá uma solução simples, elegante e completamente errada."


Vejamos os problemas com esse raciocínio:

1- Primeiramente, o suor, que é perdido durante exercícios físicos e em situações de calor intenso, não contém altas concentrações de potássio, mas sim de sódio. Isso ocorre porque o potássio está predominantemente localizado no interior das células, enquanto o sódio circula majoritariamente no meio extracelular, como no sangue (veja imagem abaixo):


https://thumbs.dreamstime.com/b/bomba-de-potássio-sódio-k-na

Sendo o sódio o responsável pela ativação do potencial de excitação e, consequentemente, pela contração muscular, surge um aparente paradoxo: como a perda do íon que causa a contração poderia favorecê-la? A explicação está no equilíbrio do corpo. Quando o sódio extracelular é perdido, o potencial de ativação da célula necessariamente diminui, já que há menos moléculas de sódio disponíveis para o processo. Esse ajuste no potencial de ativação pode tornar as células musculares mais suscetíveis a descargas descontroladas, resultando em câimbras. Inclusive,  algumas pesquisas mostram que jogadores que perdem mais sódio têm cãibras com mais frequência em comparação com jogadores que perdem menos sódio Bergeron et al. 2003 , Stofan et al. 2005.




É importante salientar que, esses estudos são observacionais, portanto, apenas podem mostrar uma correlação, não necessariamente sendo uma causa. Outros estudos clínicos (maior qualidade) mostram resultados curiosos:

Em 2005, foi realizado um estudo com triatletas de Ironman. Os resultados mostraram que não houve diferença clinicamente significativa nos níveis de eletrólitos ou hidratação entre os atletas que apresentaram cãibras e os que não apresentaram.  

Em 2013, outro estudo com 10 indivíduos submetidos a uma desidratação de 5% da massa corporal (considerada uma desidratação grave) não demonstrou maior probabilidade de cãibras, mesmo após a realização de exercícios controlados.  


Em 2011, 210 triatletas do Ironman participaram de um estudo que identificou dois fatores de risco para cãibras musculares: tempos de corrida mais rápidos e histórico prévio de cãibras. Não foi observada nenhuma associação entre níveis de eletrólitos ou hidratação e a ocorrência de cãibras entre os atletas que as experimentaram e os que não as tiveram.  


Uma revisão Cochrane por Garrison et al. (2012) concluiu que é improvável que a suplementação de magnésio forneça profilaxia clinicamente significativa para cãibras. Além disso, níveis baixos de eletrólitos (como magnésio, cálcio, potássio, sódio e cloreto) estão associados a cãibras musculares generalizadas, ou seja, em qualquer músculo, em qualquer momento e até mesmo em repouso.

Contudo, as evidências sugerem que as cãibras musculares induzidas pelo exercício manifestam-se exclusivamente nos músculos diretamente envolvidos na atividade física em execução.

Todavia, embora estudos clínicos indiquem que a baixa reposição hidroeletrolítica não esteja diretamente relacionada à ocorrência de cãibras, é importante ressaltar que a manutenção de uma boa hidratação e a adequada reposição de água, eletrólitos e glicose são essenciais. Essas práticas não apenas contribuem para um melhor desempenho nos treinos, mas também, conforme os mesmos estudos, ajudam a reduzir a intensidade da dor e a duração das cãibras quando estas ocorrem.

Mas então, o que causaria de fato uma cãibra? 

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A maioria dos pesquisadores agora acredita que as cãibras musculares são, na verdade, causadas pela superestimulação dos neurônios motores no sistema nervoso que transmitem mensagens e controlam nossos músculos. 

Como prevenir e aliviar com base em evidencias

Há algumas evidências de que bebidas que contêm vinagre, como suco de picles, podem ajudar a prevenir e aliviar cãibras musculares durante o exercício. Isso não tem nada a ver com os níveis de eletrólitos, mas sim porque o vinagre desencadeia um reflexo após a ingestão que reduz a atividade do neurônio motor que leva a cãibras musculares.

Imagem: shutterstock


Em outras palavras, o vinagre envia um sinal ao cérebro para dizer aos músculos para pararem de se contrair e relaxarem. Na verdade, vários estudos confirmaram que o suco de picles é mais eficaz do que bebidas esportivas no tratamento de cãibras musculares, incluindo este estudo do Departamento de Saúde, Nutrição e Ciência do Exercício da Universidade Estadual de Dakota do Norte.



Um estudo de Craighead et al. (2017) sugere que a ingestão de  agonistas de TRP pode atenuar cãibras induzidas por músculos ao diminuir a hiperexcitabilidade do neurônio motor alfa. Esses agonistas de TRP são gengibre, pimentas, wasabi e canela. No estudo, os participantes consumiram até 500 mg de canela, 38 mg de capsicum ou 750 mg de gengibre.

Os alongamentos, embora não previnam as cãibras, são eficazes para aliviar o desconforto no momento em que ocorrem. Manter uma boa forma física e aumentar a resistência aos treinos são estratégias importantes para evitar novas recorrências de contrações involuntárias. Além disso, o uso de sprays e compressas frias pode ajudar a aliviar a dor associada ao episódio. Por fim, identificar a causa subjacente das cãibras é fundamental para melhorar a saúde geral e ajustar os parâmetros necessários para preveni-las no futuro.





terça-feira, 19 de novembro de 2024

As críticas infundadas de Paulo Gentil à dieta low carb.

Gostaria, antes de tudo, de ressaltar minha profunda admiração pelo trabalho do Dr. Paulo Gentil. Cheguei a considerar um texto do Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercício (GEASE), sob sua presidência, como referência principal em uma análise de suplemento alimentar publicada neste blog. Reconheço que, à época, tal análise foi exemplarmente conduzida, demonstrando rigor e fundamentação científica. Contudo, ao longo do tempo, minha percepção sobre a imparcialidade e a perfeição de suas análises começou a se desmoronar. Destaco que não me refiro apenas a ele, mas a praticamente todos os especialistas: é inevitável que análises, por diversas razões, carreguem algum grau de parcialidade ou viés. Em segundo lugar, dirijo-me aos leitores deste humilde espaço com um conselho sincero: busquem sempre a verdade. Leiam as fontes primárias, como artigos científicos, para alcançar um entendimento mais aprofundado. Além disso, procurem ouvir opiniões divergentes de outros especialistas, especialmente aquelas que apresentam argumentos contrários, a fim de formar uma compreensão mais ampla e equilibrada sobre qualquer tema. Feito esse preâmbulo, passo ao ponto principal desta postagem: As críticas infundadas de Paulo Gentil à dieta low carb.


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Anos atrás, eu era completamente avesso à ideia da dieta low carb. Parecia-me um absurdo priorizar o consumo de gorduras e reduzir drasticamente, ou mesmo eliminar, os carboidratos. À época, eu concordava plenamente com as análises do Dr. Paulo Gentil, as quais considerava embasadas nos artigos científicos disponíveis sobre o tema. No entanto, algo me intrigava profundamente: enquanto eu rejeitava essa abordagem, testemunhava pessoas com sobrepeso, obesidade, diabetes e síndrome metabólica alcançando a remissão completa de suas condições, revertendo problemas crônicos e desfrutando de boa saúde ao adotar a dieta. 

Foi nesse contexto que me deparei com o blog do Dr. José Carlos Souto e decidi explorar mais a fundo o assunto. Para minha surpresa, constatei que as práticas e os resultados observados na dieta low carb eram amplamente respaldados por evidências científicas robustas. Motivado por essa descoberta, retornei aos textos do Dr. Paulo Gentil sobre o tema e, com uma visão mais crítica, percebi que suas análises, dessa vez, eram notavelmente tendenciosas e enviesadas. Não pretendo, aqui, especular sobre os motivos que o levaram a interpretar a situação dessa maneira, mas o viés era inegável.

E eis aqui o  texto do Dr paulo Gentil, e seu link de referencia:


https://www.facebook.com/drpaulogentil/posts/678604328825438


Agora, já demonstrado o texto original, irei atribuir, ponto a ponto, as inconsistências contidas nele:

1- Os esquimós têm uma expectativa de vida inferior à média da população geral

o Dr. Paulo não só associa, mas, em vários textos além desse, coloca diretamente a dieta como causa da baixa expectativa de vida dos esquimós. No entanto, ao introduzir essa afirmação de forma isolada e aparentemente categórica, há um claro indício de viés interpretativo. Em seu texto, admite-se que os esquimós possuem boa saúde, mas que, ainda assim, vivem menos que a população urbana em geral, sendo isso apontado como um paradoxo. Contudo, faltou considerar um elemento crucial nesse contexto: Os esquimós habitam uma das regiões mais inóspitas do planeta.

Se apresentam boa saúde, mas uma expectativa de vida mais curta, é razoável supor que algum fator oculto, ou mais de um fator, não observados, estejam influenciando esse desfecho. Não há paradoxo. Todas as populações que residem em ambientes extremos tendem a ter uma expectativa de vida reduzida, independentemente de sua saúde ou dieta. Isso se observa, por exemplo, aqui mesmo no Brasil, com as tribos indígenas.

Ademais, os estudos observacionais mencionados, embora úteis, são limitados em sua capacidade de estabelecer relações de causa e efeito. Esses estudos apenas sugerem correlações, mas não podem determinar com precisão o fator causador. Por exemplo, há trabalhos que apenas avaliam a alimentação, ou a alimentação e atividade física, mas deixam passar diversas variáveis, que ficam ocultas, porém influenciam muito, como tendência genética, tabagismo, e nesse caso específico, o ambiente em que moram os esquimós (real causador da baixa expectativa de vida).

2- Citar pescados com maiores quantidades de ômega-3 como determinante para uma boa saúde cardiovascular

Aqui está mais um ponto que precisa ser corrigido com base em evidências científicas robustas. A Cochrane, em suas revisões sistemáticas feitas com ensaios clínicos, afirma que:

-Não existem benefícios comprovados de prevenção cardíaca associados ao consumo de ômega-3, seja ele obtido de peixes, plantas ou suplementos (não há diferença entre as fontes).

Fonte: Cochrane Library


3- Citação de estudos que, supostamente, afirmam: "Os esquimós possuem boa saúde porque são mais ativos"

Um dos estudos citados nesse contexto é intitulado "Metabolic profile in two physically active Inuit groups consuming either a western or traditional Inuit diet." É importante destacar que se trata, mais uma vez, de um estudo observacional, o que significa que ele não permite estabelecer relações de causa e efeito, apenas correlações. Esse fato, por si só, já compromete a afirmação do Dr. Paulo Gentil, uma vez que o desenho do estudo não sustenta inferências tão categóricas. No entanto, decidi analisar o estudo em maior profundidade.

O objetivo do artigo científico é comparar dois pequenos grupos de esquimós: um consumindo uma dieta tradicional, com baixo teor de carboidratos, e outro seguindo uma dieta ocidental, rica em carboidratos. O tamanho reduzido da amostra já compromete consideravelmente a qualidade do estudo, algo que os próprios autores reconhecem como uma limitação. Além disso, há uma diferença de 25% no número de participantes entre os grupos, o que torna a comparação ainda mais desbalanceada.

Logo no primeiro parágrafo da seção de discussão, encontramos dados interessantes que não foram mencionados pelo Dr. Gentil. Esquimós que consumiram a dieta ocidental (rica em carboidratos) apresentaram um perfil lipídico pior, incluindo colesterol total mais elevado e maior formação de LDL de baixa densidade (o tipo mais associado a infartos). Além disso, esses participantes também exibiram pior pressão arterial sistólica e resposta insulínica.

Vejam só que coisa interessante: o próprio estudo citado por Paulo Gentil, na tentativa de desacreditar a dieta low carb, afirma categoricamente que esquimós que consomem mais carboidratos apresentam maior risco de problemas cardíacos. E não para por aí. O Dr. Paulo também afirma, em seu texto, que a atividade física seria o fator mais importante para a boa saúde dos esquimós. Contudo, no próprio estudo citado, encontramos a seguinte declaração:

"Não foi possível obter dados confiáveis sobre atividade física na população Inuit Qaanaaq e é difícil comparar diretamente a quantidade e o tipo de atividade realizada nos dois grupos."

Sim, exatamente isso. O estudo possui sérias limitações na aferição de atividade física, o que mina o argumento de que essa seria a principal causa de boa saúde entre os esquimós.

Para quem quiser consultar o estudo na íntegra, segue o link:


4- Afirmação de que esquimós possuem adaptações em órgãos

Primeiramente, é preciso observar que o Dr. Paulo Gentil não apresenta uma fonte específica para embasar essa afirmação. Isso, por si só, compromete a solidez do argumento. Além disso, o questionamento levantado por ele no final de seu texto é, no mínimo, intrigante. Ele pergunta: "Será que todos nós temos essa capacidade de processar muita proteína e gordura?

A resposta para essa questão pode ser encontrada na prática clínica e nos estudos disponíveis. Milhares de pessoas têm experimentado melhoras significativas em sua saúde metabólica, com remissão de condições como obesidade, síndrome metabólica e diabetes, ao adotar uma dieta low carb. Esse fato é respaldado por uma ampla literatura científica, incluindo ensaios clínicos randomizados — o que confere maior grau de confiabilidade ao corpo de evidências favoráveis a esse tipo de dieta.

Um ponto muito importante é que, à luz das diversas evidências científicas, a Associação Americana de Diabetes (ADA) atualmente recomenda a dieta de baixo teor de carboidratos como uma estratégia viável e eficaz para o manejo do diabetes.

Além disso, vale ressaltar novamente que o estudo citado pelo Dr. Paulo destaca que os esquimós que consumiam mais carboidratos apresentaram um perfil de maior risco cardiovascular. Isso reforça a conclusão de que, mesmo entre populações com supostas adaptações genéticas, uma dieta rica em carboidratos de alto índice glicêmico pode estar associada a riscos significativos à saúde cardiovascular.

5- Afirmar que dietas low carb hoje possuem muitas proteínas

Independentemente da situação, há estudos que demonstram sucesso com ambos os parâmetros — maior ingestão de proteínas ou gorduras — e não há nada que desabone significativamente nenhuma das abordagens. No entanto, o que se observa na maioria dos casos em que se discute a dieta low carb é a ênfase no modelo high fat (alta gordura), e não necessariamente em um consumo elevado de proteínas. Talvez a dieta de Atkins, em sua forma tradicional, tenha uma proporção maior de proteínas, mas isso não caracteriza a dieta low carb como um todo.

6- Qualidade dos alimentos dos esquimós

Sim, isso é inegável. Os esquimós consomem alimentos frescos, provavelmente com maior densidade nutricional. Contudo, é estranho a crítica a uma dieta com baixo carboidratos,pois, ela tende em geral, a ser menos processada, já que toda a comunidade low carb e paleo, costuma a comer vegetais, carnes e ovos em geral. Ou seja, uma dieta low carb tambem pode ter alta densidade nutricional.

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Em outra postagem no Facebook (disponível na íntegra aqui), o Dr. Paulo Gentil novamente coloca a dieta de baixo carboidrato como uma CAUSA de uma menor expectativa de vida. Porém, comete os mesmos erros, ao colocar estudos observacionais como fonte de causa. E mais uma vez, ao ler as conclusoes dos estudos citados, não há surpresa alguma:

Low-Carbohydrate Diets and All-Cause Mortality: A Systematic Review and Meta-Analysis of Observational Studies

Este estudo revisou a associação entre dietas de baixo carboidrato e a mortalidade geral, concluindo que:

  • "As dietas com baixo teor de carboidratos foram associadas a um risco significativamente maior de mortalidade por todas as causas e NÃO FORAM SIGNIFICATIVAMENTE ASSOCIADAS A UM RISCO DE MORTALIDADE E INCIDÊNCIA DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES."

Por outro lado, os próprios autores destacam as limitações da análise, com a seguinte ressalva:

  • "No entanto, esta análise baseia-se em estudos OBSERVACIONAIS LIMITADOS, E ENSAIOS EM LARGA ESCALA SOBRE AS INTERAÇÕES COMPLEXAS ENTRE DIETAS COM BAIXO TEOR DE CARBOIDRATOS E RESULTADOS A LONGO PRAZO SÃO NECESSÁRIOS."


Low Carbohydrate-High Protein Diet and Incidence of Cardiovascular Diseases in Swedish Women: Prospective Cohort Study

As conclusões do estudo indicam:

  • "Dietas com baixo teor de carboidratos e alto teor de proteínas, usadas regularmente e sem levar em consideração a natureza dos carboidratos ou a fonte de proteínas, estão associadas ao aumento do risco de doenças cardiovasculares."

O estudo ressalta a necessidade de analisar cuidadosamente a composição dessas dietas, pois a qualidade das fontes de carboidratos e proteínas pode influenciar os resultados de saúde. E mais uma vez, temos um estudo observacional, onde só se pode inferir correlação, mas nunca causalidade. O próprio trabalho cita que há outros grandes estudos observacionais, onde esse desfecho não foi confirmado. Daí a grande necessidade de se ver trabalhos controlados, que são mais confiáveis.

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Encerrando esta análise, é evidente que a alimentação saudável pode ser alcançada tanto com a presença quanto com a ausência de carboidratos, desde que feita de forma equilibrada e adequada às necessidades individuais. Esse ponto específico até converge, parcialmente, com as afirmações do Dr. Paulo Gentil acerca da importância da qualidade dos alimentos. Entretanto, a insistência em demonizar dietas de baixo teor de carboidratos, mesmo diante de evidências robustas e do respaldo de associações renomadas, como a ADA, desperta perplexidade. Essa posição, emanada de alguém de tamanha influência, cujo alcance se estende por redes sociais, cursos e palestras, torna-se ainda mais preocupante por seu tom categórico e, em muitos casos, dogmático.






quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Ômega 3: Não há certeza de benefícios cardiovasculares e nem diferenças entre suas fontes


Nos últimos anos, o ômega 3 tornou-se um dos suplementos mais utilizados, ocupando posição central nas discussões sobre saúde em diversos contextos. Médicos, comunicadores e pessoas de diferentes perfis exaltam os notáveis benefícios associados ao seu consumo, frequentemente considerado um verdadeiro aliado no cuidado e na prevenção de problemas cardiovasculares. Além dos benefícios cardiovasculares frequentemente atribuídos ao ômega 3, destaca-se nos relatos outro aspecto relevante: a origem desse nutriente. Surge, então, a questão de qual fonte seria mais confiável. Alguns especialistas defendem que apenas as fontes de origem animal, especialmente aquelas provenientes de peixes que habitam águas profundas, são adequadas. Segundo essa perspectiva, óleos de peixes criados em ambientes artificiais ou derivados de vegetais não teriam a mesma eficácia.

https://food.ndtv.com/health/fish-oil-boosts-brain-functioning-improves-mood-1466529

http://premierpescados.com.br/6-curiosidades-sobre-o-salmao/


Mas e o que a ciência de verdade diz sobre isso? Pelo visto, na pratica está bem longe de ser o que os propagandistas do suplemento falam.

Para quem é leigo no assunto, irei postar aqui um artigo de uma das instituições mais renomadas no mundo: A COCHRANE.  A Cochrane elabora revisões sistemáticas, que são revisões de artigos científicos de alta qualidade, para que possamos saber qual a melhor evidência sobre determinado assunto. É o que chamamos de padrão ouro na medicina. E o que a cochrane conclui sobre o Ômega 3? Vejamos abaixo:

Conclusões dos autores (original aqui):

Não está claro que as gorduras alimentares ou suplementos de ômega 3 alterem a mortalidade total, eventos cardiovasculares combinados, ou câncer em pessoas com  alto risco de doença cardiovascular ou na população em geral. Não há provas de que devemos aconselhar as pessoas a parar de ter fontes ricas em gorduras ômega 3, mas são necessários ensaios de alta qualidade para confirmar sugestões de um efeito protetor das gorduras ômega 3 sobre a saúde cardiovascular. ”

Não há evidências claras de que as gorduras ômega 3 diferem em eficácia de acordo com fontes de peixes ou plantas, fontes dietéticas ou suplementares, dose ou presença de placebo.


Em outras palavras, ninguém pode afirmar, com base nos melhores artigos científicos que Omega 3 previne doenças cardíacas. Ainda faltam estudos melhores para isso ser confirmado. E nem as fontes de Omega, vindo de diferentes lugares, parecem ter feitos diferentes.


Uma indicação robusta, com alta evidencia para se usar o ômega 3 é na redução de elevados níveis de triglicérides, como mostrado abaixo:

https://examine.com/supplements/fish-oil/#hem-triglycerides

Para maiores esclarecimentos sobre as indicações do Ômega 3 e sobre a qualidade dessas indicações (muitas delas talvez sejam boas e ainda não comprovadas e outras ruins) fica a dica de dois sites escritos em inglês:



sábado, 19 de novembro de 2016

SUPLEMENTOS ALIMENTARES: PORQUE QUASE TODOS NÃO FUNCIONAM (COMO A INDÚSTRIA TE ENGANA)



http://www.icaro.med.br/wp-content/uploads/2016/02/Dibujo-810x467.jpg


Diversas pessoas contestam as postagens do blog, pois usam os suplementos e percebem efeitos na prática. Essa postagem é dedicada a essas pessoas. E mais um aviso: O blog não possui lucro algum, e estamos sempre comprometidos com a verdade, ou a realidade mais próxima dela. E a indústria, na maioria das vezes, visa o seu lucro. Acreditar em propagandas ou em artigos científicos? Eis a questão. Abaixo listarei uma série de fatores que influenciam nos efeitos dos suplementos que a ciência não consegue provar que existem (mas a indústria, somente em suas propagandas, sim):

EFEITO PLACEBO

O efeito placebo, que nada mais é do que um efeito positivo como melhora no perfil de alguma doença, situação de saúde, fisiológica, ou até mesmo casos de cura, causado por um uso de uma substancia sem efeito algum, por exemplo, uma pílula de farinha.  Ele atua principalmente em doenças que envolvem dor, náuseas e certas situações psicológicas, como indisposição, depressão, nervosismo. Talvez esse seja um dos maiores motivos para que os suplementos sejam usados, já que as empresas sabem que, mesmo que o suplemento não cause um efeito positivo, ou placebo, como ele é apenas um alimento, (suplementos alimentares não são medicamentos) poucos males podem causar. E o investimento em propagandas dos suplementos, é, obviamente, bem maior do que nas pesquisas para saber se eles são superiores a um placebo (na maioria esmagadora das vezes não são superiores). Mas, mesmo estes produtos promovendo um efeito placebo, não são uma boa opção, seja por que, o efeito placebo não é muito relevante na maior parte dos casos, ou por não funcionar em todos os casos, e paga-se muito caro por isso. Fora o fato de estar sendo enganado como consumidor, apenas gerando lucro às empresas. Nota: Muitas pessoas com sérias doenças podem estar usando tratamentos ou procedimentos sem comprovação científica e estar pondo em risco sua vida e saúde. Estejam atentos a isso!

Sobre este efeito é importante ressaltar:
·         O efeito placebo ocorre mesmo se o paciente souber que está a usar um placebo.
·         Cirurgias também funcionam como placebo.
·         Cor, tamanho, quantidade de vezes que se usa um comprimido, podem aumentar o efeito placebo.


https://farmaceuticort.files.wordpress.com/2016/02/9061e-efeitoplaceboumasensac387c383oquecuraeconforta.jpg


Muitas pessoas que vieram ao blog e comentaram que usavam algum suplemento e sentiram efeitos positivos na pratica, e garantem: NÃO É EFEITO PLACEBO!!EU SENTI ISSO NA PRATICA! Por que eu não acredito nesse argumento? Simples, explico abaixo:

Como uma pessoa, que compra o suplemento para uso próprio, já sabendo a indicação,  sendo extremamente influenciado pela propaganda da empresa,  internet, ou por que um amigo disse que o produto é maravilhoso,  vai conseguir avaliar se é ou não efeito placebo?

Pensem por essa lógica. A pessoa já usa o produto com a influência de que ele irá fazer bem. Os poderes da indução desses fatores tornam o efeito placebo muito mais fácil de ocorrer nessas situações. E o que os estudos científicos fazem? JUSTAMENTE, TENTAM ELIMINAR ESSE ERRO!Geralmente os estudos são ditos DUPLO CEGO, ou seja, o paciente não sabe o que está tomando, e nem o pesquisador que entrega o comprimido, também não sabe, se ele é placebo ou o tratamento a ser avaliado. Apenas um pesquisador, que coordena o estudo saberá qual grupo irá tomar placebo, ou o tratamento. Por aí vocês percebem qual a diferença entre tomar NA PRATICA EM CASA e tomar na pratica do estudo (sim porque o estudo é na pratica também, para os que acham que não). Como ninguém sabe o que está tomando, fica muito mais fácil saber se é efeito placebo ou não.


www.naopossoevitar.com.br/

http://revistavivasaude.uol.com.br/upload/imagens_upload/placebo_1.jpg


Muitas pessoas também confundem certas praticas com efeito placebo. Nem sempre ele é o responsável. Seguem alguns bons exemplos:

Suplementos para emagrecer: São um dos tipos de suplementos mais usados. Mas geralmente quem os usam, são pessoas que, ao mesmo tempo que os tomam, fazem dieta adequada, exercícios físicos  e começam a dormir bem. Tudo isso, influencia muito mais para a perda de peso do que tomar o suplemento, propriamente dito. Sem ele o resultado seria praticamente o mesmo. Não é a toa que não conheço nenhum suplemento alimentar efetivo para perda de peso. A cafeína até pode ajudar teoricamente nisso,assim como alguns outros termogênicos, mas a perda de peso é tão insignificante, que é desprezível.

Vitaminas para ganho de peso: Vitaminas não engordam e nem possuem calorias. Em casos de deficiência de algumas delas, como as do complexo B, o apetite pode ser comprometido, e, por isso, algumas pessoas ao usarem produtos contendo vitamina B, como complexo B ou levedo de cerveja, tendem a restaurar o apetite, e com isso acabam comendo mais, consequentemente ganhando peso. Veja bem, caro leitor, não é a vitamina B que faz o indivíduo ganhar peso, necessariamente. Pessoas com níveis normais de vitamina B não irão ganhar peso pelo uso dessas substancias, pois, muito provavelmente seu apetite não será alterado. Inclusive o levedo de cerveja é usado para emagrecimento. Totalmente contraditório à propaganda do produto para ganho de peso e massa muscular. Na prática dos estudos, o levedo se sai mal, tanto para ganho como para perda de peso. Nota: existem complexos vitamínicos que contém MEDICAMENTOS estimulantes do apetite. Nesses casos, eles são os responsáveis pelo ganho de peso.

Adulteração de suplementos: Sim. Existem produtos contaminados no mercado, seja por hormônios, como, por exemplo, os anabolizantes, para ganho de massa, ou por medicamentos como a sibutramina, que gera emagrecimento. Isso é bem lógico: Se os suplementos realmente funcionassem, por quais motivos as empresas iriam tentar adulterá-los? Pense nisso. Existe uma matéria inteira sobre isso no blog:

Sugestão: Documentário sobre placebo: https://www.youtube.com/watch?v=4Zb5y9FngHw


METODOLOGIAS DUVIDOSAS,  E OUTROS PROBLEMAS DE ARTIGOS QUE CONFIRMAM QUE O PRODUTO FUNCIONA, MAS NEM SEMPRE ISSO É VERDADE


Nem sempre o artigo que diz que o suplemento funciona é valido. Existem artigos bons e ruins. Às vezes eles podem ter resultados iguais, ou totalmente contrários. Vejamos o que pode influenciar em uma pesquisa:
  • O tempo curto em que as pesquisas foram feitas: Muitos efeitos prometidos por suplementos são difíceis de resolver, até mesmo com uso de medicamento, hormônios, etc. Eles podem levar muito tempo para ter efetividade no organismo. E o que vemos em pesquisas com suplementos? Estudos feitos em poucos dias, semanas ou um mês. Raramente se vêem estudos que duram meses. Isso compromete muitos resultados.
  • O investimento da indústria pesquisas: Esse fator é bem óbvio. Geralmente, quando se usam suplementos de marca, ou quando a indústria financia o estudo, ele possuirá resultados favoráveis ao produto pesquisado. Estudos financiados podem ser TOTALMENTE tendenciosos. Há conflito de interesses claros. Um bom exemplo é o caso do ZMA:
  • Estudos feitos em animais: Não podemos tomar como verdade absoluta estudos feitos em animais. Existem diferenças fisiológicas que impedem que o efeito seja o mesmo, e nem sempre se pode extrapolar os resultados aos seres humanos.
  • Pequeno número de participantes: Outro grande problema dos estudos sobre suplementos. Geralmente são feitos com 20, 30 pessoas. Raramente chegam perto de 100 indivíduos. Estudos precisam ter uma amostra bastante significativa. Existem estudos com mais de 5, 10 mil pessoas, por exemplo. Mas, por que isso é importante? Porque existe o efeito placebo e existe o acaso, as coincidências. Sabe aquela história de que: Ah, mas fulana usou isso e deu certo. Pois é. Mas não é porque fulana disse isso, vai ser verdade. Pode ter dado certo por simples acaso. E quanto mais pessoas estiverem contidas em um estudo, onde estão sendo observadas e controladas, o efeito do acaso, e também do efeito placebo, tendem a ser menores. Estudos com grandes amostras possuem poder de probabilidade para encontrar diferenças, grandes ou pequenas se elas existirem. Ex: Eleições. Quanto mais eleitores você leva pra uma pesquisa, menor o erro e mais perto da realidade de saber quem é o candidato eleito você terá. 
  • Publicações em revistas não confiáveis: Muitos artigos que induzem as pessoas a acreditarem que os suplementos funcionam são publicados em revistas não especializadas e que não possuem relevância alguma no meio acadêmico.
  • Reprodutibilidade do estudo: Para termos certeza de algo que foi publicado num artigo é certo, temos que ver outros artigos, feitos por outras pessoas, e constatar se aquele resultado é reprodutível ou não. No caso de suplementos, o que mais vemos são estudos com resultados contraditórios. E coincidentemente, ou não, os estudos positivos geralmente são os patrocinados, ou publicados em revistas ruins.
  • Escolha aleatória de pacientes ou randomização: Isso é de extrema importância, e praticamente quase nenhum estudo sobre suplemento faz. Explico. Vamos supor que uma substância x tenha efeitos somente no sexo masculino. E o estudo não escolhe aleatoriamente, ou seja, não randomiza as pessoas que entrarão na pesquisa, e aí só entram homens na mesma que irá testar o produto x. O produto irá funcionar na pesquisa, mas, vocês acham mesmo que quando o produto for vendido, eles irão indicar apenas em homens? Óbvio que não. Outro ex: Uma pesquisa feita em outra substancia y, dessa vez para curar infecção. Vamos supor que o pesquisador, tendenciosamente, escolha para o grupo placebo pessoas com casos mais graves, e para grupo da substância y casos mais leves. O fato de não randomizar pode influenciar nesse resultado. Daí a importância de escolher aleatoriamente, para que ambos os grupos, tenham características semelhantes.
  • Tipos de estudos: Imagem abaixo lista do melhor (topo da pirâmide) até os piores tipos de estudos (base da pirâmide):
http://fitciencia.com/wp-content/uploads/2016/03/evidencia.png



Enfim, existem diversos pontos a serem criticados a depender de cada artigo. Cada um possui sua particularidade além dos acima citados, e cabe discuti-los quando cada artigo é exposto em particular, assim como fizemos na postagem do tribulus terrestris http://farmacotrofia.blogspot.com.br/2012/12/tribulus-terrestris-funciona-ou-nao.html

Alguns leitores podem pensar: Ah, mas a ciência nem sempre está certa. Às vezes ela mesmo se contradiz. Não. A ciência evolui, e com isso alguns conceitos, antes mal pesquisados, hoje, podem ser mais elucidados, e por vezes, geram resultados que são contrários a pesquisas antigas e ultrapassadas. A ciência não pára. A Cada dia surgem novas pesquisas, com novas metodologias e melhor qualidade. E se com isso, algum suplemento dito aqui que não funciona, vier a ter seu efeito comprovado, voltaremos à postagem e nos retrataremos, assim como todo bom pesquisador faz.

 Obrigado por ler o farmacotrofia. Sinta-se à vontade para perguntar, elogiar ou criticar o blog nos comentários!!